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O Compositor

"Ora. Eu sou um compositor. Eu vi o que uma elaboração musical pode causar quando na cidade de Urandi, onde me criei, de puro instinto me pus a realizar uma melodia e ritmo de  matriz africana, tirada da minha idéia, sem base nenhuma, na mesa da minha casa. Pois bem, essa música foi contagiar o bravo Amaurílio, o negão que ajudava meu pai em todas as questões, que se pôs a dançar, incontinenti, na sala da minha casa. Eu pensei, aflito: - e agora? Dei três pancadas fortes na mesa, com as duas mãos. E Amaurílio despertou, sem se lembrar de nada. Desde então eu percebi que compor significa se referir ao passado, mesmo sem que você se dê conta, e se responsabilizar por reações das pessoas no presente. Eu não devia ter mais que dez anos de idade.

A onda em Urandi era o Yê yê yê. Sob supervisão do violonista Betinho, filho do meu padrinho Idibaldo Leão, cheguei a compor um yê yê yê, chamado “gostei muito de nanar, neném”, que tento a todo custo esquecer. Minha salvação veio com o mestre João Sacramento Neto, fundador da Banda 21 de Abril. Na banda aprendi a compor de forma conseqüente, no pentagrama, vinculado a uma necessidade social. Foi assim que surgiram o dobrado “Victória” e a valsa “João Sacramento”.

Eu saí desse mundo para estudar no Colégio 2 de Julho, uma referência em pensamento democrático no período da Ditadura Militar. Claro que a posição política do colégio iria se refletir em alguma produção artística, e me vi no olho do furacão, compondo músicas novas para o grupo Apolíneos e Dionisíacos, na companhia de Carlos Martins e Umberto Moreira.

 

Observem, até agora falei e cantos instintivos, canções e peças instrumentais de formas pré-concebidas. Então nesse mesmo tempo  estudava  violão no curso básico da Universidade Católica e assim surgiram pelo menos umas três pecinhas para violão, cujas partituras se perderam;

O meu contato com a Escola de Música da UFBA, além de um diploma de compositor, resolveu de forma muito clara a minha opção profissional por Composição. Para minha sorte, o professor das turmas iniciais era Lindembergue Cardoso, a quem de pronto elegi meu “novo mestre João”. E ele em resposta preconizou que eu queria ser “o Villa-Lobos das filarmônicas”.

Ao longo do curso, fui aluno de Fernando Cerqueira, Jamary Oliveira, Paulo Costa Lima e Agnaldo Ribeiro até concluir o curso sob orientação do notável Ernst Widmer . Enfim, fui tornado compositor profissional sob a égide da Escola da Bahia, conseqüência do Grupo de Compositores da Bahia.

Tenho como contemporâneo Wellington Gomes e como predecessor, Paulo Cruz Rios e seus colegas. Nossa linhagem se inicia no Gótico, continua com a Ars Nova, se estabiliza no Barroco. Atinge sua perfeição no Clássico e começa a ser questionada no Romântico. Arnold Schöenberg é nosso avô, Hans Joachin Koellreuter,  nosso pai em comum."

 

Fred Dantas

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